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    quinta-feira, agosto 3

    There is a light that never goes out

    Hoje estive em Fátima. Neste local de peregrinação é possível observar todo o tipo de práticas religiosas levadas a cabo por seguidores fiéis da palavra de Jesus Cristo que cumprem a promessa de "ir a Fátima a pé" fazendo pequenos troços de cada vez e regressando no fim de semana seguinte ao ponto onde ficaram - como se de uma etapa desportiva se tratasse-, e a de "percorrer de joelhos o adro do santuário" utilizando para o efeito esponjas nas referidas articulações. Quando o visitante deste sacrossanto local consegue vencer a turba de mendigos que se aproveitam da consciência pesada dos transeuntes naturalmente mais propícios a dar esmola por estar mais perto do Senhor e parece mal não dar nada aos pobrezinhos,

    Quem dá aos pobres empresta a Deus

    acaba por, finalmente, ver coisas verdadeiramente cristãs. Existem vários locais de culto contíguos ao Santuário, há missas em simultâneo, decorações elaboradas que têm provavelmente origem nas Indulgências e um número infindável de franceses. Enfim, está criado o ambiente.
    Como hoje tive oportunidade de visitar este local de peregrinação e, mais por sorte do que por mérito próprio, consegui evitar o mar de pedintes, pude tirar as fotos que ali vêem mais acima. Os pensamentos que estas imagens desencadearam na minha cabeça fizeram-me crer que valia a pena fazer figura de parvo a tirar fotografias a letreiros com um telemóvel para depois poder escrever um post porreiro. Além disso, à minha volta só havia franceses, por isso se alguém me viu foram eles, e eu não me importo de ser criticado por avecs porque se vierem com merdas é só dizer que o Zidane queria era ter acertado um pouco mais abaixo no Materazzi que eles esquecem logo os letreiros de Fátima e começam a querer bater.
    Passo a explicar a que se referem os sinais acima. O peregrino que quiser acender uma vela em Fátima, apenas tem que seguir as placas que dizem "Velas" para encontrar uma "loja" com um grande stock destes objectos de cera em exposição. Há vários tipos de velas, cada qual com o seu preço. O peregrino escolhe as que quer acender, faz as contas e insere o total na ranhura (ver imagem). É o único sítio do mundo onde não se aceita Visa. Ninguém está a ver; ao caírem, as moedas embatem numa peça de metal que faz barulho, mas ninguém liga. Depois, o peregrino quererá acender a vela. Para isso, basta seguir as outras pessoas que também acabaram de comprar velas, que elas sabem para onde vão (foi o que fiz). Perto dali há uma fornalha gigante onde se colocam as velas para serem queimadas (há suportes para as pôr a arder como se espera que as velas ardam, mas o fogo é muito e derrete logo a cera). Nessa fornalha, o peregrino pode dar logo o uso à sua vela ou colocá-la nuns recipientes sobre os quais está a segunda placa da fotografia. Simples.
    Claro que isto levanta questões interessantes. Este processo espelha perfeitamente os princípios da religião cristã. Primeiro, Deus começa logo por dar um voto de confiança ao Homem, já que deixa a seu critério pagar - ou não - as velas que leva. Depois, é a vez do Senhor cobrar a confiança que depositou no Homem:

    ( ler com a voz gutural que todos os entes divinos todo-poderosos têm, ninguém sabe muito bem porquê) Deixa aqui as tuas velas que serão queimadas oportunamente, segundo os meus desígnios. As velas que aqui deixares não serão devolvidas à loja de onde vieram; vão ser mesmo queimadas. Mesmo. A sério, juro.

    As pessoas de espírito prático como eu concordam que seria muito mais económico devolver as velas à loja sem as queimar: poupa-se tempo, energia e dinheiro em velas novas. Mas isso seria uma espécie de pecado, acho eu: a Bíblia não é explícita sobre este assunto. Mais vale este "passar pela casa da partida e receber 2000$" divino e queimar as velas.
    Resumindo e concluindo: aqui temos um exemplo do que é a fé. Deus tem fé no Homem, e pede que este retribua. Quando o peregrino põe as velas, à confiança, nos recipientes para serem queimadas oportunamente, está a ter fé na Igreja e em Deus. Esta queima das velas é a metáfora perfeita. É um bocado como viver na aldeia e deixar a porta de casa aberta porque se sabe que ninguém vai roubar nada, mais pelo facto de se ser um pobre aldeão miserável do que por os vizinhos serem pessoas conhecidas. Afinal de contas, é de velas que estamos a falar.

    ... E não de cruzadas, inquisições e padres pedófilos que seduzem os membros jovens do seu rebanho por "também" vestirem calças de ganga e tocarem viola.