Hoje, no boletim informativo da hora de almoço de um famoso canal de Carnaxide, surgiu uma notícia sobre um agricultor de uma aldeia trasmontana que tinha sofrido um acidente de tractor. Segundo as palavras do próprio, o veículo capotou e o acidentado senhor partiu o braço direito, a bacia e a uretra (sic). Sim, eu sei o que estão a pensar. Esquisito, no mínimo. Como raio é que se parte a uretra, que não mais que um furo? Pelos vistos, a resposta é: a capotar de tractor. As sequelas desse trágico dia fizeram-se sentir no corpo do agricultor. É completamente evidente que, com a uretra partida, se vai influenciar o fluir da urina. E o homem ficou 6 anos sem poder urinar pelas "vias normais" (sic), o que quer que seja que isso signifique. Felizmente, após várias intervenções cirúrgicas afortunadas, o aldeão conseguiu recuperar a capacidade de mijar de pé e, com isso, o natural orgulho masculino que daí advém. E o não menos importante braço também sarou, se bem que tinha menos influência no acto de urinar excepto na altura de sacudir. A televisão privada portuguesa, com o seu apuradíssimo faro jornalístico, viu aqui uma notícia. Não estou a ser sarcástico: eu também acharia que uma uretra partida é notícia. Dizia eu que foi feita uma notícia e, com efeito, o homem foi entrevistado. Durante a peça jornalística, um voz off relatava o sucedido enquanto passavam imagens do agricultor a conduzir o seu tractor pelos caminhos da aldeia. A certa altura, passam a conversa e pergunta então o repórter: - Não teve medo de voltar a andar no tractor? - Medo não, tive foi muito cuidado - observou sensatamente o agricultor -, porque agora sei que é muito perigoso andar de tractor e a gente pensa que pode sair do perigo sem pensar e depois acontecem acidentes. Neste momento, o diálogo foi intercalado com os conselhos de um bombeiro voluntário: - Os tractores são perigosos, mas vêm com precauções que poucos tomam. Por exemplo, as barras que protegem o condutor e impedem o veículo de capotar são sempre as primeiras a sair. De todas as vezes que há uma morte relacionada com um acidente de tractor, o condutor nunca traz as barras postas. Compreende-se que façam isto porque os carvalhos e os castanheiros são baixos e as barras estorvam, mas correm mais perigo assim (mais ou menos sic). Não sei se estão a ver o que são estas barras. São uma espécie de gaiola que se põe à volta do "habitáculo", que impedem efectivamente o tractor de capotar pois são altas e feitas de aço. Nas imagens da reportagem, o agricultor do mijo torto estava a andar de tractor, aldeia acima, sem estas barras. A entrevista prossegue e, certamente fruto de um grande planeamento e uma edição inteligente, o jornalista sai-se com: - Porque é que não usa as barras agora? O homem pareceu nem notar que se devia sentir embaraçado. Respondeu prontamente: - Porque somos desleixados. É preciso termos cuidados e tomar precauções, e às vezes achamos mais fácil fazer sem segurança mas depois corremos riscos - disse, num paleio muito parecido com o de anteriormente. Quando ouvi isto, fiquei inquieto. Primeiro, porque já conduzi tractores sem estas barras e na altura nem sonhava que me arriscava enormemente a ficar com a uretra partida. E segundo, porque fui assolado pela imagem de um pobre médico do interior desertificado a ter que pôr talas ou gesso na pila deste senhor pela segunda vez só porque ele não se dignava a montar a merda das barras no tractor. Não terá medo de morrer desta vez porque é estúpido ou porque já é velho e não vale a pena? É uma pergunta que, no fim da reportagem, o telespectador não vê respondida. Só se vê uma imagem - bonita até - do incauto aldeão a conduzir o seu tractor assassino em direcção ao pôr-do-sol, qual Lucky Luke do coração de Portugal. |